Brasil com menos álcool: entenda o que está por trás da mudança e como o mercado reage

Brasil com menos álcool: entenda o que está por trás da mudança e como o mercado reage Aos 23 anos, Gabrielle Ribeiro decidiu parar de consumir bebidas alcoólicas. Reuniu todas as garrafas que tinha em casa e as colocou dentro de um saco de lixo. A influenciadora digital trocou as festas por noites de sono, os dias de ressaca por trilhas matinais e os copos de drinks por suplementos. Perdeu 16 quilos, passou a economizar até R$ 300 por semana e, de quebra, conquistou milhares de seguidores ao compartilhar a sua história nas redes sociais. "Parar de beber foi a melhor coisa que eu fiz por mim. É mais interessante acordar no domingo e postar foto de uma medalha de corrida do que ficar com aquela ressaca moral", brinca. Gabrielle não está sozinha. Cerca de 53% dos brasileiros que consomem álcool reduziram a ingestão no último ano, segundo o Datafolha. A pesquisa ouviu 1.912 pessoas. Entre os jovens da geração Z, de 18 a 26 anos, apenas 45% afirmam beber — bem menos que nas gerações anteriores, aponta uma pesquisa da MindMiners feita com 3 mil pessoas. Apenas 45% dizem beber, enquanto 57% dos Millennials mantêm o hábito. Na geração X, o número sobe para 67%, e entre os Boomers, chega a 65%. O bem-estar, a estabilidade emocional e o controle financeiro estão entre as razões que têm levado muita gente a repensar sua relação com o álcool. Nem todos, porém, passaram por uma ruptura como a de Gabrielle. Há quem nunca tenha se identificado com o sabor ou com a ideia de beber. É o caso de Rayane Moreira, que cresceu vendo o álcool causar conflitos em casa. "Como é que eu vou beber para espairecer e trago problemas para dentro de casa?", questionava ainda na adolescência. Mesmo depois de deixar uma religião que proibia o consumo, ela manteve a decisão. Em encontros sociais, prefere sucos, refrigerantes ou água. E quando decide beber, opta por drinks zero álcool — os chamados mocktails — ou vinhos. Histórias como as de Rayane e Gabrielle mostram um comportamento que tem sido mais frequente em gerações mais novas — e que tem mexido no mercado. O consumo de cervejas sem álcool no Brasil cresceu mais de 200% entre 2020 e 2023, passando de 197,8 milhões para 649,9 milhões de litros, segundo a Euromonitor. A expectativa é que o volume se aproxime de 1 bilhão de litros em 2025. O país já é o segundo maior mercado mundial de cerveja zero, apontam os dados da World Brewing Alliance (WBA), associação comercial internacional da indústria cervejeira. O cenário revela um público mais aberto à moderação e à experimentação. Mesmo quem continua bebendo, faz isso com mais critério. Essa busca por qualidade impulsiona rótulos premium. Maurício Porto, proprietário do bar Caledonia, já sente os impactos. Especialista em uísques e coquetelaria, ele conta que a procura por mocktails cresceu tanto que o estoque chega a acabar em alguns dias. A carta da casa tem cinco coquetéis sem álcool, preparados com técnicas de infusão de especiarias e clarificação — técnica para tornar o líquido mais claro e límpido —, o mesmo cuidado dado às versões tradicionais. "Hoje, eu vejo efetivamente que os coquetéis sem álcool saem (...) as pessoas tinham preconceito e passaram a perder. A qualidade dos coquetéis sem álcool melhorou muito". A indústria também tem se ajustado. A Ambev, maior cervejaria do país, afirma que rótulos como Bud Zero, Corona Cero e Stella Pure Gold têm ganhado força, e a companhia projeta que o segmento de cervejas sem álcool cresça até cinco vezes mais rápido que o das tradicionais até 2028. Na Diageo, gigante global de destilados premium, o foco é diversificar e sofisticar a experiência. A empresa aposta em marcas como Seedlip e Ritual Zero Proof e em versões 0.0 de clássicos como Guinness e Tanqueray. "Não é sobre beber mais, mas sobre beber melhor", afirma Guilherme Martins, vice-presidente de marketing e insight da Diageo no Brasil. Essas transformações mostram que o setor está longe de enfrentar uma crise. Pelo contrário: o novo comportamento do consumidor abriu espaço para inovação, qualidade e novas experiências. Ao longo desta reportagem, entenda por que o país está bebendo menos, como essa transição afeta o setor e de que forma a moderação e a "gourmetização" do consumo estão redesenhando o cenário das bebidas no Brasil. Por que os jovens bebem menos? Crise ou oportunidade? O que dizem as empresas? Há quase um ano, Gabrielle Ribeiro decidiu parar de consumir bebidas alcoólicas por conta da saúde Gabrielle Ribeiro Por que os jovens bebem menos? A geração Z é a que menos consome álcool. Gabrielle e Rayane são exemplos dessa mudança no perfil de consumo. O álcool perdeu o papel de símbolo social entre os mais novos, que preferem investir tempo e energia em experiências ligadas à saúde, bem-estar e estabilidade emocional. Entre os que não bebem: 58% dizem simplesmente não ter interesse; 34% não gostam do sabor; 30% preferem evitar os efeitos físicos e emocionais da bebida; 19% citam a busca por qualidade

Brasil com menos álcool: entenda o que está por trás da mudança e como o mercado reage

Brasil com menos álcool: entenda o que está por trás da mudança e como o mercado reage Aos 23 anos, Gabrielle Ribeiro decidiu parar de consumir bebidas alcoólicas. Reuniu todas as garrafas que tinha em casa e as colocou dentro de um saco de lixo. A influenciadora digital trocou as festas por noites de sono, os dias de ressaca por trilhas matinais e os copos de drinks por suplementos. Perdeu 16 quilos, passou a economizar até R$ 300 por semana e, de quebra, conquistou milhares de seguidores ao compartilhar a sua história nas redes sociais. "Parar de beber foi a melhor coisa que eu fiz por mim. É mais interessante acordar no domingo e postar foto de uma medalha de corrida do que ficar com aquela ressaca moral", brinca. Gabrielle não está sozinha. Cerca de 53% dos brasileiros que consomem álcool reduziram a ingestão no último ano, segundo o Datafolha. A pesquisa ouviu 1.912 pessoas. Entre os jovens da geração Z, de 18 a 26 anos, apenas 45% afirmam beber — bem menos que nas gerações anteriores, aponta uma pesquisa da MindMiners feita com 3 mil pessoas. Apenas 45% dizem beber, enquanto 57% dos Millennials mantêm o hábito. Na geração X, o número sobe para 67%, e entre os Boomers, chega a 65%. O bem-estar, a estabilidade emocional e o controle financeiro estão entre as razões que têm levado muita gente a repensar sua relação com o álcool. Nem todos, porém, passaram por uma ruptura como a de Gabrielle. Há quem nunca tenha se identificado com o sabor ou com a ideia de beber. É o caso de Rayane Moreira, que cresceu vendo o álcool causar conflitos em casa. "Como é que eu vou beber para espairecer e trago problemas para dentro de casa?", questionava ainda na adolescência. Mesmo depois de deixar uma religião que proibia o consumo, ela manteve a decisão. Em encontros sociais, prefere sucos, refrigerantes ou água. E quando decide beber, opta por drinks zero álcool — os chamados mocktails — ou vinhos. Histórias como as de Rayane e Gabrielle mostram um comportamento que tem sido mais frequente em gerações mais novas — e que tem mexido no mercado. O consumo de cervejas sem álcool no Brasil cresceu mais de 200% entre 2020 e 2023, passando de 197,8 milhões para 649,9 milhões de litros, segundo a Euromonitor. A expectativa é que o volume se aproxime de 1 bilhão de litros em 2025. O país já é o segundo maior mercado mundial de cerveja zero, apontam os dados da World Brewing Alliance (WBA), associação comercial internacional da indústria cervejeira. O cenário revela um público mais aberto à moderação e à experimentação. Mesmo quem continua bebendo, faz isso com mais critério. Essa busca por qualidade impulsiona rótulos premium. Maurício Porto, proprietário do bar Caledonia, já sente os impactos. Especialista em uísques e coquetelaria, ele conta que a procura por mocktails cresceu tanto que o estoque chega a acabar em alguns dias. A carta da casa tem cinco coquetéis sem álcool, preparados com técnicas de infusão de especiarias e clarificação — técnica para tornar o líquido mais claro e límpido —, o mesmo cuidado dado às versões tradicionais. "Hoje, eu vejo efetivamente que os coquetéis sem álcool saem (...) as pessoas tinham preconceito e passaram a perder. A qualidade dos coquetéis sem álcool melhorou muito". A indústria também tem se ajustado. A Ambev, maior cervejaria do país, afirma que rótulos como Bud Zero, Corona Cero e Stella Pure Gold têm ganhado força, e a companhia projeta que o segmento de cervejas sem álcool cresça até cinco vezes mais rápido que o das tradicionais até 2028. Na Diageo, gigante global de destilados premium, o foco é diversificar e sofisticar a experiência. A empresa aposta em marcas como Seedlip e Ritual Zero Proof e em versões 0.0 de clássicos como Guinness e Tanqueray. "Não é sobre beber mais, mas sobre beber melhor", afirma Guilherme Martins, vice-presidente de marketing e insight da Diageo no Brasil. Essas transformações mostram que o setor está longe de enfrentar uma crise. Pelo contrário: o novo comportamento do consumidor abriu espaço para inovação, qualidade e novas experiências. Ao longo desta reportagem, entenda por que o país está bebendo menos, como essa transição afeta o setor e de que forma a moderação e a "gourmetização" do consumo estão redesenhando o cenário das bebidas no Brasil. Por que os jovens bebem menos? Crise ou oportunidade? O que dizem as empresas? Há quase um ano, Gabrielle Ribeiro decidiu parar de consumir bebidas alcoólicas por conta da saúde Gabrielle Ribeiro Por que os jovens bebem menos? A geração Z é a que menos consome álcool. Gabrielle e Rayane são exemplos dessa mudança no perfil de consumo. O álcool perdeu o papel de símbolo social entre os mais novos, que preferem investir tempo e energia em experiências ligadas à saúde, bem-estar e estabilidade emocional. Entre os que não bebem: 58% dizem simplesmente não ter interesse; 34% não gostam do sabor; 30% preferem evitar os efeitos físicos e emocionais da bebida; 19% citam a busca por qualidade de vida; 17% mencionam razões religiosas. Rayane Moreira nunca se sentiu atraída pela bebida Rayane Moreira O levantamento da MindMiners também relaciona a queda de consumo a questões financeiras. Entre os motivos apontados pelos jovens para reduzir o consumo, aparecem frases como: "Estou gastando muito dinheiro" e "Menos gasto com bebidas". Além disso, a geração Z tem menor renda disponível, o que influencia diretamente a frequência e o volume de consumo. O diretor de estratégia da Ambev ressalta que "o jovem historicamente consome menos do que a média da população", o que está bastante relacionado a um fator econômico. "A renda disponível é menor", diz. O preço também é uma barreira para outros tipos de bebidas — incluindo até mesmo a categoria de cerveja sem álcool. Ainda segundo o levantamento da MindMiners, por exemplo, a classe C é a que menos conhece e consume essa categoria, reforçando a perspectiva de que os valores também limitam o acesso para esse público. Crise ou oportunidade? De maneira geral, a mudança no comportamento dos consumidores não necessariamente representa uma ameaça à indústria de bebidas, mas sim uma reconfiguração do mercado, impulsionada por consumidores mais exigentes, moderados e abertos à experimentação. Dados da Nielsen, por exemplo, indicam que o segmento de cervejas sem álcool é o que mais cresce no país, com desempenho anual três vezes superior ao das cervejas tradicionais. Mesmo entre quem ainda consome álcool, há sinais de mudança: 41% dos entrevistados disseram ter alterado a frequência de consumo no último ano, e 43% pretendem reduzir ainda mais, motivados principalmente por saúde e questões econômicas, segundo dados da MindMiners.